Durante o séc. XIX e XX, o processo histórico do liberalismo
capitalista procurou apoderar-se não só das riquezas dos nossos povos mas
sobretudo das nossas consciências.
José Vasconcelos
O séc. XX foi indubitavelmente a época
histórica em que mais mártires verteram o seu sangue como consequência da sua
Fé em Cristo Salvador. Como vimos, a perseguição à Igreja Católica em Espanha,
que atingiu o seu zénite durante a última Guerra Civil, teve uma dimensão holocáustica
sem precedentes, nem mesmo no auge das mortandades do império romano. Mas já
dez anos antes, no México, muitos mártires haviam servido de modelo e paradigma
ao incontável número de cristãos que haveriam ainda de colher a graça do
martírio nas fogueiras acesas pelos totalitarismos, nomeadamente em nome da tão
espalhada utopia comunista. Parece-me, pois, importante ir ao sótão da nossa
memória colectiva e reler essa saga gloriosa dos levantamentos mexicanos que
ficaram conhecidos como a Guerra Cristera ou a Cristíada.
Há cerca de um ano, quando Rosa Maria Ojeda,
eleita Miss México e candidata ao concurso Miss Universo, apresentou
publicamente o traje livre que tencionava usar, caiu o Carmo e a Trindade. Não
porque a señorita aparecesse excessivamente desnudada mas sim porque a
sua longa saia apresentava a imagem da Virgem de Guadalupe e várias cenas do
martirológio cristero, incluindo o que parecia ser o fuzilamento do Pe.
Pró. O vestido era ainda adornado com escapulários e rosários pendendo
livremente de um cinturão cartucheiro bem como um grande crucifixo peitoral, em
jeito de colar. Desde os arcontes maçónicos aos sectores católicos afectos à
Teologia da Libertação, passando por inocentes arautos do bom-gosto, choveu um
coro de protestos; uns em nome da laica moral pública, outros em defesa da
cicatrização de feridas que tinham sido abertas pelos acontecimentos ora
recordados pelo vestido. O vestido tinha sido escolhido de um conjunto de
trinta candidaturas. A estilista que o havia desenhado, Maria del Rayo Macias,
afirmou-se disposta a redesenhá-lo desde que se mantivessem as imagens da
Virgem e as evocações das mulheres cristeras. Somos descendentes de
cristeros; quer queiram quer não isso é uma parte do que somos, afirmou.
Por este recentíssimo episódio podemos ver
como a questão cristera continua a atrair ódios e paixões e, sobretudo,
a recolher indeléveis convites ao enterro e olvido per omnia sæcula
sæculorum.
Mas um récio Papa, João Paulo II de seu nome
pétrico, entendeu o contrário e mandou trazer à luz da Cidade o testemunho dos
humildes mártires que sucumbiram na afirmação e confirmação da sua fé. Desde
gaiatos de 14 anos, como José Luís Sánchez del Rio, de Sahuayo, a velhinhos de 90.
Até há muito pouco tempo, a maioria dos
católicos desconhecia completamente o alcance e ferocidade da perseguição
contra a Igreja Católica por parte das autoridades mexicanas. Os historiadores
mais mediáticos mal ou nunca se referem a essas tremendas campanhas de intolerância
e fanatismo. Ao México, associamos sempre figuras revolucionárias que Hollywood
nos tem servido em argumentos cinematográficos, mais ou menos no estilo western.
A revolução liberal que tão impiedosamente perseguiu os católicos, acabou
por ir devorando, um atrás doutro, os seus próprios filhos. Nomes como os dos
presidentes Madero, Carranza, Obregón, Zapata e Pancho Villa são referenciados
em díspares filmes. Todos eles reúnem a macabra característica de terem sido
assassinados. Com efeito, esta época da História do México foi marcada por
inúmeras conspirações e sublevações, revoltas indígenas de revindicação
agrária, em guerras marcadas por uma crueldade atroz, no meio de contínuas
ingerências dos E.U.A. Mas do drama cristero que culminou as várias
vagas de perseguições religiosas pouco ou nada se sabe, pouco ou nada se vê. E,
muitas vezes, quando se recorre à sua memória, é perversamente ao contrário
como acontece no filme pretensamente quase auto-biográfico de Fernando Arrabal,
Viva la muerte! em que a execução do pai surge, às mãos dos franquistas,
através de um processo copiado dos colorados que o usaram várias vezes
para executar cristeros. Em Pedro Páramo, de Juan Rulfo,
transparece toda a tragédia da perseguição aos católicos desde o séc. XIX à
revolução mexicana.
A memória do martírio cristero surgirá
sobretudo no apostolado de João Paulo II, quebrando anos de comprometido
silêncio de alguns sectores da Igreja mexicana. Em 21 de Maio de 2000, o Papa
João Paulo II (o senhor Wojtyła, segundo o protocolo de Estado Mexicano)
canonizou um grupo de 25 mártires desse período que haviam sido beatificados a
22 de Novembro de 1992. Na sua maioria, eram padres que não tendo pegado em
armas, se tinham no entanto recusado a abandonar os seus paroquianos, tendo
sido assassinados pelas tropas governamentais.
O principal dirigente da Maçonaria no México,
Jorge Gaviño Ambriz havia lançado uma virulenta campanha contra a canonização
dos beatos porque eram cristeros e as guerras cristeras haviam
custado a vida a mais de 70.000 mexicanos honestos. Apenas se esqueceu de
mencionar as razões das revoltas e as circunstâncias que haviam rodeado os
martírios. Gaviño ameaçou então bloquear as cerimónias e recorrer, se
necessário, aos sectores progressistas da Igreja mexicana, afectos à Teologia
da Libertação, para o apoiarem nesse desiderato. Para ele, habituado aos jogos
de poder e ao controlo do PRI, a intenção de João Paulo II era apenas apoiar implicitamente
o candidato da oposição Vicente Fox, tido por católico e inimigo da Maçonaria.
E a 20 de Novembro de 2005, em Guadalajara,
(Estado de Jalisco, México) perante cerca de 80.000 pessoas, o Cardeal José
Saraiva Martins, Prefeito para a Congregação da Causa dos Santos, proclamou
Beatos Servos de Deus, 13 cristeros, sendo 10 leigos e 3 sacerdotes que
caíram assassinados durante a perseguição religiosa dos anos callesistas.
Com efeito, a Igreja católica reconheceu como
mártires várias pessoas que foram executadas durante as insurreições cristeras.
O mais conhecido é talvez o jesuíta Padre Miguel Agustín Pro que, em 23 de
Novembro de 1927, foi oficialmente fuzilado, sem julgamento prévio, pelo facto
de o governo considerar que as suas actividades sacerdotais desafiavam a sua
autoridade.
Quiseram fazer dele um exemplo dissuasor para prevenir o alastramento da
revolta e levar os cristeros à rendição; para isso, publicitaram a
execução (esperando que se acobardasse), divulgando as imagens por todos os meios
de comunicação. O efeito conseguido acabou por ser o contrário. Os cristeros
inspiraram-se no exemplo de martírio do Padre Pro e redobraram de força,
recrudescendo a revolta. Foi beatificado em 1988.
Mas afinal quem eram os cristeros ?
No México, a extraordinária ocasião da subida
ao poder do General Victoriano Huerta, um índio de Jalisco que ocupou a
presidência de 1913 a 1914, permitiu consagrar ao Sagrado Coração de Jesus,
aquela república norte-americana. Depois de ter traído e assassinado o Presidente
Madero, Huerta, sob a influência do embaixador americano, procurou o
beneplácito da Igreja, como já anteriormente havia feito o seu predecessor, com
o intuito de conseguir o apoio do clero para a pacificação social do país. Só
assim, no meio de uma persistente e continuada perseguição religiosa, foi
possível levar a cabo um acto solene na Catedral Metropolitana da Cidade do
México. A solicitação do episcopado mexicano, Pio X, havia autorizado a
consagração a Cristo-Rei, representado pela imagem do Sagrado Coração de Jesus,
com a coroa e o ceptro para simbolizar a sua Realeza espiritual. Pela primeira
vez, o grito Viva Cristo-Rei! (que, daí a uns anos, tanto se ouviria
quer no México quer em Espanha) pôde ser escutado a 6 de Janeiro de 1914.
A 17 de Maio de 1927, nos primeiros tempos da
insurreição que ficaria conhecida pela Cristíada, receberam os bispos
mexicanos do Papa Pio XI, no meio de outras orientações espirituais, “a
concessão da indulgência plenária, in articulo mortis, a todos os que,
confessados ou comungados, ou pelo menos contritos, pronunciassem com os
lábios, ou com o coração, a jaculatória Viva Cristo-Rei!, aceitando a
morte como enviada pelo Senhor para remissão das nossas culpas”. Como em cada execução
organizada às ordens do governo mexicano os abatidos gritavam aquela
jaculatória, ficaram conhecidos como Cristeros, por escarnecimento.
Antecedentes históricos
Ao contrário do que acontecera com as outras
colónias espanholas do continente americano, em que as independências tinham
sido promovidas e apoiadas pela maçonaria ao serviço do imperialismo
anglo-saxónico, no México os gritos de revolta tiveram origem exactamente no
pólo oposto. Indignados contra o que consideravam um governo contrário aos
interesses do povo mexicano, vários elementos do baixo clero gritaram Viva
Fernando VII e morra o mau governo!. Seria o início do processo de
independência daquele país que em 1821, com o Plan de Iguala, se decide pela
independência total, como monarquia constitucional. Ao ser a coroa oferecida sem
êxito a Fernando VII de Espanha, ficou o Poder ao arbítrio das Cortes
mexicanas. O imperador Miguel de Iturbide assume o poder de 1821 a 1824
mas, com a forte hostilidade da maçonaria, fortemente implantada nas classes
burguesas crioulas, sob os auspícios das lojas do sul dos E.U.A., não sobrevive
a uma revolta armada, tendo sido fuzilado em Padilla. É proclamada a República
e até meados do século XIX o México perderá ingloriamente, a favor do seu
vizinho do nordeste, mais de metade do seu território.
Com o advento da revolução liberal, com
a sua característica virulência anti-cristã, sobe ao poder o ex-seminarista
Benito Juárez, advogado de extracção social humilde, ligado a uma loja maçónica
de Nova Orleães. Juárez promoveu a Constituição de 1857, de inspiração jacobina
e, quatro anos depois, as Leis de Reforma, declaradamente hostis à Igreja.
Foram estatizados o património e os bens da Igreja, suprimidas as ordens
religiosas, secularizados os cemitérios, hospitais e organizações de
beneficência católicos. No seu afã persecutório tentou mesmo criar uma Igreja
cismástica, como hoje existe na China. Toda essa pressão deu origem a pontuais
levantamentos de católicos indignados prontamente abafados em banhos de sangue
(1858-61). A intolerância liberal chegou ao ponto de obrigar os
funcionários públicos a jurarem concordar e zelar pelo cumprimento destas
medidas e a deportar ou encarcerar os bispos e sacerdotes que manifestassem a
sua indignação. As elites dirigentes, fortemente influenciadas pelo jacobinismo
maçónico, detinham o poder e a força e prontamente esmagavam qualquer atitude
mais recalcitrante. Com insurreições isoladas, sobretudo nos Estados de
Jalisco, Michoacán, Puebla e Tlaxcala, o governo aguentou-se com o forte apoio
WASP dos E.U.A.. Visto com o distanciamento que o tempo permite, Juárez
comportou-se como um autêntico agente do imperialismo americano, levando o país
quase à bancarrota. Os tratados McLane-Ocampo e Corwin-Doblado deram aos
paternalistas vizinhos do norte concessões vergonhosas. Nem a sua condição
étnica de índio zapoteca, o impediu de eliminar os baldios comunais dos
indígenas o que, a par da desamortização dos bens da Igreja, levou ao
enriquecimento da classe privilegiada, aumentando o latifundismo.
Foi durante o período de Juárez que se deu a
efémera aventura de Maximiliano da Áustria, às ordens do imperador Napoleão
III. As adaptatícias elites dominantes, maioritariamente maçónicas, rapidamente
ofereceram a Maximiliano a presidência do Conselho Supremo das Lojas, o que ele
declinou tendo, no entanto, indicado representantes que rapidamente receberam o
grau 33. Apanhada entre dois fogos, a Igreja foi ainda mais vexada e
perseguida, embora os juaristas tentassem o seu apoio para o que diziam
ser a causa nacional. O pobre imperador títere viria a ser derrotado e fuzilado
em Querétaro e Juárez regressou ao poder até ser substituído por outro
ex-seminarista, Lerdo de Tejada que retomou a perseguição à Igreja Católica,
favorecendo despudoradamente o protestantismo sob orientação americana. Ainda
sem ter cumprido um ano de mandato, proibiu as manifestações religiosas fora
dos templos o que provocou novos levantamentos armados do povo católico, na
guerra denominada dos Religioneros.
Todo o lamaçal do período juarista havia
dividido os estratos sociais influentes e dominantes na condução da política e
um outro ex-seminarista, o general Porfírio Díaz desencadeou uma revolução que
o manteria no poder durante quase trinta anos, tendo sido re-eleito oito vezes,
em escrutínios fraudulentos de 1877 a 1910. Embora mantendo as leis
persecutórias, a sua ditadura foi, na generalidade, mais suave para a Igreja;
apenas na questão da liberdade educacional os governos de Porfírio Díaz
manteriam a intransigência. Com a queda do porfiriato, e com a irrupção do
que ficou conhecido como a revolução mexicana, o marxismo e o socialismo
tornaram-se virulentos e os principais sustentáculos do argumentário do Poder.
Durante a presidência de Venustiano Carranza,
a perseguição à Igreja recrudesceu; proibiram-se as missas de Defuntos e todas
as outras, a não ser ao Domingo e em condições especiais, a água do baptismo
tinha de ser da torneira e o Sacramento da Penitência só podia ser administrado
a moribundos, em voz alta e na presença de um funcionário público. Esta sanha
anti-cristã teve o seu cume na Constituição de 1917. O espírito anti-clerical
chegou ao ridículo de laicizarem topónimos como, por exemplo, Vera Cruz que
passou a ser Veracruz. Cinco dos artigos da constituição mexicana de 1917
visavam especialmente minimizar a influência da Igreja Católica na
sociedade mexicana. O artigo 3º exigia uma educação laica e anti-católica nas
escolas. O artigo 5º ilegalizava as ordens religiosas. O
artigo 24º proibia o culto, em público, fora das igrejas, enquanto que o artigo
27º praticamente eliminava os direitos de propriedade das organizações
religiosas. Finalmente, o artigo 130º retirava aos membros do clero direitos
cívicos básicos; padres e hierarquia estavam proibidos de usar os seus hábitos, não tinham
direito de voto e estavam proibidos de comentar assuntos da vida pública na
imprensa.
Carranza foi deposto devido às maquinações e complots
do seu antigo aliado Álvaro Obregón, em 1919. Apesar de partilhar do sentimento
anticlerical do seu antecessor, aplicou as medidas anticlericais de forma
selectiva e apenas em áreas em que o sentimento católico era mais fraco. Mas
foi com Obregón no poder que se içaram bandeiras comunistas nas Catedrais da
cidade do México e de Morelia, que um funcionário da própria casa do presidente
fez explodir uma bomba no altar da veneradíssima Virgem de Guadalupe e que o
Delegado Apostólico Monsenhor Philippi foi expulso.
Esta trégua precária entre o governo e
a Igreja terminou com a eleição de Plutarco Elías Calles em 1924, no mesmo ano
em que o Supremo Congresso Maçónico, reunido em Genebra, escolhia o México como
laboratório social para o total afastamento da Igreja Católica das coisas
públicas. Calles aplicou as leis anticatólicas com toda a sanha e
arbitrariedade por todo o país, acrescentando a sua própria legislação
anticatólica: em Junho de 1926, promulgou a Lei de Reforma do Código Penal,
que viria a ficar conhecida como Lei Calles que, para além de
estabelecer o número máximo de sacerdotes que poderia servir um determinado
agregado populacional, e o seus templos, previa penas específicas para padres e
religiosos que se atrevessem a violar os postulados da Constituição de 1917.
Como exemplo, o uso vestes religiosas em público era penalizado em 500 pesos
(embora, na prática, pudesse ser motivo para execução in situ, por
desobediência). Um padre que criticasse o governo podia ser condenado a cinco
anos de prisão. Nalguns Estados, a água benta foi proibida por razões
higiénicas.
A resistência pacífica e a escalada da
violência
Em resposta a estas
medidas, a resistência das organizações católicas começou a intensificar-se. Entre
elas, a Associação Católica da Juventude Mexicana (fundada em 1913), a sindicalista Confederação Nacional
dos Trabalhadores Católicos e a União Popular, um partido político católico,
fundados em 1922 e 1924, respectivamente,
sob a influência de jovem jurista da ACJM, Anacleto González Flores. Partidário
da resistência não-violenta e dos princípios da Rerum Novarum, o professor
Cleto, como era conhecido, ir-se-ia ver, contudo, ultrapassado na sua
estratégia pelo precipitar dos acontecimentos. Quase simultaneamente era criada
uma outra organização: a Liga Nacional para a Defesa da Liberdade Religiosa, que
apoiava o uso da força, se tal se mostrasse necessário à causa da liberdade.
11 de Julho de 1926 os bispos mexicanos
votaram unanimemente a favor da suspensão de todas as manifestações públicas de
culto, como resposta à Lei Calles. Para manter o protesto de indignação
pacífico, promoveram um boicote comercial contra o governo que seria especialmente
bem sucedido no México centro-ocidental (os estados Jalisco, Guanajuato, Aguascalientes, Zacatecas ). Os
católicos residentes nestas regiões deixaram de ir aos cinemas e aos teatros e
não utilizavam os transportes públicos; os professores deixaram de leccionar
nas escolas seculares. No entanto, esta medida de resistência cívica não
alcançou totalmente o seu objectivo porque, mais do que ao governo de Calles,
afectou a burguesia endinheirada que fez pressão sobre a hierarquia para acabar
com a acção, o que viria a acontecer em Outubro de 1926. Por esta razão os
ricos ficaram malvistos e a sua reputação ainda piorou quando pagaram ao
exército federal e à polícia para protecção. Mas, colateralmente, a iniciativa permitiu
cimentar e testar uma organização civil a nível nacional que viria a dar frutos
preciosos no futuro. A 6 de Setembro os bispos haviam enviado às Câmaras
legislativas uma Petição solicitando a derrogação das leis, como Calles lhes
havia cinicamente sugerido.
Como os bispos, à face da Lei, não eram cidadãos com direitos políticos, a
petição foi recusada. Seguiu-se-lhe um Memorando de cidadãos católicos,
suportado por cerca de 2 milhões de assinaturas para solicitar ao Congresso a
derrogação das leis mas, como noutros casos semelhantes e bem recentes, quando
o governo não governa para a população mas para os interesses dos grupos que o
suportam, a petição foi para o lixo. Considerando este tipo de resistência
cívica como sendo uma forma de insubordinação, Plutarco Calles ordenou o
encerramento de numerosas igrejas católicas e o inventário meticuloso de todo o
seu conteúdo. Esgotadas as vias pacíficas, aos militantes católicos apenas lhes
restava a insurreição armada.
Em Guadalajara, no dia 3 de Agosto de 1926, cerca de 400 católicos
armados encerraram-se na igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, alarmados pelo rumor
de que o governo tencionava encerrar e destruir o Santuário. Envolveram-se num
tiroteio com tropas do governo, rendendo-se apenas quando ficaram sem munições.
Este confronto terá causado a morte a 18 pessoas e 40 feridos.
No dia seguinte, em Sahuayo, Michoacán, a
igreja paroquial local foi invadida por 240 soldados governamentais,
assassinando o padre da paróquia e o seu vigário. Em 14 de Agosto, agentes
governamentais levaram a cabo a eliminação da delegação da Associação Católica
da Juventude em Chalchihuites, Zacatecas, executando o seu director
espiritual, o padre Luis Bátiz Sainz.
A partir daqui os
acontecimentos suceder-se-iam de forma muito rápida. Um bando de camponeses sob
a liderança de Pedro Quintanar, ao tomar conhecimento da morte do padre Bátiz,
ocupou a tesouraria local e ergueu o estandarte da rebelião. Outro levantamento
foi liderado pelo presidente da Câmara de Pénjamo, Guanajuato, Luis Navarro Origel, com início
em 28 de Setembro. Os seus homens foram derrotados pelo exército federal em
terreno aberto, junto daquela localidade, mas retiraram-se para as montanhas
onde continuaram como guerrilheiros. Seguiu-se um outro levantamento em Durango, liderado por Trinidad Mora em 29
de Setembro e, em 4 de Outubro, a sublevação acaudilhada pelo antigo general
Rodolfo Gallegos, no Sul de Guanajuato. Ambos foram obrigados a recorrer a
tácticas de guerrilha, pois não podiam fazer face ao exército federal em campo
aberto.
Entretanto, os
rebeldes em Jalisco (particularmente na região a Norte de Guadalajara)
começaram a reunir as suas forças. Esta região tornou-se o foco principal da
rebelião liderada por René Capistran
Garza, líder da Associação Católica da Juventude Mexicana,
que teve início a 1 de Janeiro de 1927.
E é a Guerra!
A insurreição teve
formalmente início com a publicação de um manifesto de Garza, no dia de Ano
Novo, intitulado A la Nación. Nele declarava que é chegada a hora da
batalha e a hora da vitória pertence a Deus. Com esta declaração, o estado
de Jalisco que parecera mais ou menos calmo desde os acontecimentos de
Guadalajara, inflamou-se. Grupos de rebeldes, movimentando-se na região conhecida
como Los Altos, a Nordeste de Guadalajara, começaram a ocupar aldeias equipados
apenas com antigos mosquetes
e paus. O seu grito de batalha era ¡Viva Cristo Rey! ¡Viva la Virgen
de Guadalupe! O professor Cleto declarou à sua pacífica União Popular que
apesar de não concordar com os métodos armados estava pessoalmente com a direcção
da LDLR, na bélica aventura em que embarcara mas da qual queria ver o partido
afastado já que não fora concebido como um instrumento de luta armada.
No início, o governo
de Calles não levou esta ameaça muito a sério. Plutarco Calles que considerava
a devoção católica uma coisa de mulheres e crianças, chamava a Jalisco o galinheiro
da República. Os rebeldes conseguiam bons resultados frente às milícias
rurais do governo ditas agrárias e face às jacobinas milícias da Defesa
Social, mas eram sempre derrotados pelas tropas federais que guardavam as
principais cidades. Por esta altura, o exército federal contava com cerca de 80
mil homens. Quando o comandante federal de Jalisco, general Jesús Ferreira,
iniciou a campanha contra os insurrectos, afirmou sobranceiramente que se
trataria mais de uma caçada que de uma campanha militar.
Porém, os rebeldes,
que na sua grande maioria não tinha experiência militar prévia, planeavam bem as
suas acções armadas. Os mais bem sucedidos líderes rebeldes foram Jesús
Degollado (farmacêutico), Victoriano
Ramírez (trabalhador rural) e dois padres, Aristeo
Pedroza e José
Reyes Vega. Apenas cinco padres participaram activamente na luta
armada, embora tenha havido 15 capelães e, de uma maneira ou de outra, 25
sacerdotes apoiaram, de perto, os cristeros.
Para muitos Cristeros,
as motivações religiosas da rebelião eram reforçadas por outras subjacentes preocupações
de natureza social. Na região dos Altos de Jalisco, ponto fulcral da rebelião cristera,
a estrutura da propriedade da terra tinha evoluído para uma forte concentração
do tipo rancho. A elite crioula do México, influenciada pelas correntes
jacobinas da Europa e dos Estados Unidos, promoveu as leis da desamortização
que nacionalizaram os bens afectos à Igreja e os baldios municipais e das
comunidades indígenas e da qual viria a ser a grande beneficiária. Tipicamente,
havia proprietários, muitas vezes absentistas, que alugavam a meeiros a
exploração da terra; metade da colheita pertencia ao dono da terra. Este, havia
igualmente fornecido, a título de empréstimo, as alfaias, as juntas, as sementes
e mesmo dinheiro, para fazer face a eventualidades que sempre aconteciam
(doenças, partos, casamentos, funerais, etc.). Para o meeiro, a obrigação era
simples: ou dinheiro na jaqueta ou milho na carreta!, como diziam os
proprietários. Para estes rendeiros e para os assalariados agrícolas em geral,
tal sistema só podia levar ao empobrecimento crescente enquanto que os
proprietários acumulavam lucros. Apesar de muitos dos agrários serem ao mesmo
tempo católicos convictos, não é de admirar que tal panorama de injustiça
social fosse o alfobre em que a semente da revolta florescesse mais facilmente.
E a tropa cristera, reunida à volta dos seus ícones sagrados era
essencialmente constituída por meeiros e peões. Era no seu padrecito que
confiavam e era em Cristo que punham a sua esperança de se libertarem da
opressão e do desespero. Era o sacerdote do México rural que ensinava os pobres
a ler e escrever contrariando os desejos dos terratenentes mais reaccionários e
o laicismo imposto pelo governo. Os fazendeiros, mesmo os católicos, ora
apoiavam o governo, por conveniência, ora os cristeros por medo. Muitos
optaram por se retirar para o estrangeiro.
Em 23 de Fevereiro de
1927, os Cristeros derrotaram pela primeira vez as tropas federais em San Francisco del Rincón, no Guanajuato,
seguindo-se outra vitória em San
Julián, Jalisco.
Contudo, a rebelião seria quase extinta em 19 de Abril, quando o controverso
padre Vega liderou o assalto a um comboio que pensava levar um carregamento de
dinheiro e armas. Durante o tiroteio que se seguiu, o seu irmão foi morto e o
padre Vega, completamente fora de si, mandou incendiar as carruagens do
comboio, causando a morte de 51 passageiros. Esta atrocidade colocou uma boa
parte da opinião pública contra os Cristeros.
O governo começou a
transferir os civis para os grandes centros populacionais, impedindo-os de
fornecer mantimentos aos rebeldes. Ao chegar o Verão, a rebelião estava quase
totalmente dominada. Garza abandonou a liderança em Julho, após uma tentativa
falhada de obtenção de fundos nos Estados Unidos. Mas o
movimento rebelde ganhou nova vida com os esforços de Victoriano Ramírez,
conhecido como El Catorce.
Este era analfabeto mas um comandante guerrilheiro nato. Fez ressuscitar a
rebelião, permitindo à Liga Nacional para a Defesa da Liberdade Religiosa contratar
um estratega, um mercenário que exigiu o dobro do salário de um general
federal. Enrique
Gorostieta era afastado do catolicismo, ao ponto de fazer troça da
religiosidade das suas próprias tropas. Apesar da sua falta de convicções
católicas, fez um trabalho profissional no treino das tropas rebeldes,
produzindo unidades disciplinadas e uniformizadas. Gradualmente, os Cristeros
começaram a re-assumir o controlo do conflito.
Em 21 de Junho de 1927,
foi formada em Zapopan a primeira unidade
feminina (que viriam a ficar conhecidas como las brigadas bonitas) de
Cristeros (a brigada de Santa Joana d’Arc ). Fundada
por 17 mulheres, em pouco tempo contava com 135 membros. A sua missão consistia
em conseguir dinheiro, armas, provisões e informações para os homens
combatentes; também auxiliavam os feridos. Em Março de 1928 havia cerca de 10.000
mulheres envolvidas. Muitas contrabandeavam armas para as zonas de combate,
transportando-as escondidas em carroças carregadas de cereais ou cimento. No
final da guerra chegaram a cerca de 25 000.
Os Cristeros
mantiveram a iniciativa do ataque em 1928 e 1929, com o governo federal a enfrentar
uma nova crise: uma revolta entre os militares, liderada por Arnulfo R. Gómez
em Veracruz. Os Cristeros
tentaram tirar partido dessa vantagem atacando Guadalajara, em finais de Março.
O ataque falhou mas os rebeldes conseguiram tomar Tepatitlán de Morelos, a 19 de Abril. O padre
Vega foi morto nesta batalha. Por outro lado, a sublevação de Veracruz foi
prontamente controlada e, subitamente, os Cristeros tiveram de se
confrontar com dissenções internas.
Em 2 de Junho, Gorostieta
foi morto numa emboscada, montada por uma patrulha federal na Fazenda El
Valle. Mas, nesta altura, os rebeldes contavam já com cerca de 50 000
homens armados e pareciam ser capazes de manter a rebelião por muito tempo,
tendo assumido o comando Jesús Degollado.
A acção do
Episcopado
A 2 de Outubro de 1927, o Cardeal Gasparri,
Secretário de Estado do Vaticano, numa entrevista ao New York Times, conta os
horrores da perseguição sofrida pela Igreja Católica no México e denuncia o
silêncio das nações, por tolerarem tão selvagem perseguição em pleno séc. XX.
Referia-se aos massacres perpetrados pelas tropas coloradas (vermelhas)
sobre as populações suspeitas de apoiar os rebeldes cristeros.
Questionado sobre se os prelados poderiam dispor dos bens da Igreja para apoio
à causa cristera, o Secretário de Estado do Vaticano respondeu que se
ele fosse um bispo mexicano venderia todas as suas jóias e preciosidades para o
efeito.
Existe alguma
controvérsia sobre se as acções dos Cristeros eram ou não apoiadas pelo
episcopado ou pelo Papa. Em 18 de Outubro de 1926, Pio XI recebeu uma comissão
de bispos mexicanos que o quiseram informar pessoalmente sobre a perseguição
sistemática e concomitante resistência armada. No mês seguinte o Papa manda
publicar a sua encíclica Iniquis Afflictisque em que condena a
constituição mexicana d 1917 e as suas emendas callistas de 26, louvando
a Liga e outras organizações católicas. Oficialmente, o episcopado mexicano
nunca apoiou explicitamente a rebelião mas, de acordo com vários documentos e
testemunhos, os rebeldes sentiam ter da parte do episcopado o reconhecimento da
legitimidade da sua causa que nunca os condenou. Os dirigentes da Liga haviam
enviado aos bispos um Memorando no qual solicitavam que a sublevação não fosse
condenada e que os prelados influíssem na formação das consciências para que o
levantamento fosse considerado lícito, meritório e de legítima defesa. Logo
depois, Mons. Ruiz y Flores e Mons. Díaz Barreto recebem os responsáveis da
Liga e comunicam-lhes que no tocante àqueles pontos, a resposta era positiva e
unânime. O bispo de Guadalajara, José Francisco Orozco y Jiménez, permaneceu próximo
dos rebeldes; apesar de rejeitar formalmente a revolta armada, não estava
disposto a abandonar o seu rebanho. Muitos historiadores modernos (os do
costume) consideram-no mesmo o verdadeiro líder do movimento. Há, no entanto,
historiadores que dizem que exceptuando dois casos, o episcopado era
intrinsecamente hostil ao movimento. Após o ataque ao comboio liderado pelo
padre Vega, os bispos foram expulsos do México mas continuariam a tentar
influenciar o resultado do conflito a partir do exterior.
Em Outubro de 1927 o
embaixador dos Estados Unidos no México, Dwight Whitney Morrow, iniciou uma série de contactos com
Calles, sempre ao pequeno-almoço,
em que os dois discutiam toda uma variedade de assuntos, desde os levantamentos
religiosos, ao petróleo e à irrigação. Morrow, banqueiro ligado à J.P. Morgan,
protestante e maçon, dizia pretender que o conflito terminasse por
razões humanitárias mas o intuito que tinha em vista era encontrar uma aberta
para conseguir o monopólio americano para a exploração do petróleo do México e
das grandes obras públicas. Para melhor convencer os bispos, socorreu-se inicialmente
do padre John Burke da National Catholic Welfare Conference. A Santa Sé encontrava-se
também envolvida na busca da paz
mas aconselhava prudência perante as iniciativas americanas.
O mandato
presidencial de Calles aproximava-se do fim e o presidente eleito, Álvaro
Obregón, deveria tomar posse em 1 de Dezembro. Porém,
foi assassinado por um radical católico (José Toral) em 17 de Julho, facto que
pôs seriamente em causa o processo de paz então em curso. O Congresso nomeou então
Emílio
Portes Gil presidente interino em Setembro, marcando novas eleições
para Novembro de 1929. Portes Gil era mais aberto em relação à Igreja do que
Calles havia sido, permitindo a Morrow e Burke reiniciar a sua iniciativa de
paz.
Portes Gil terá dito
a um correspondente estrangeiro em Maio de 1929 que o clero católico poderia,
quando assim o desejasse, retomar o exercício dos seus ritos e práticas com uma
única obrigação - a de respeitar as leis do país. No dia seguinte, o arcebispo
exilado Leopoldo Ruíz y Flores emitiu uma declaração afirmando que a
hierarquia tinha decidido suspender o culto porque não era capaz de aceitar a
forma arbitrária como as leis eram aplicadas no país.
Morrow conseguiu o acordo entre as partes em 21 de Junho de 1929. O pacto informal que ele elaborou em
inglês, os chamados arreglos , permitiria retomar o culto católico no México e fazia três concessões:
apenas os padres nomeados por superiores hierárquicos seriam obrigados a
registar-se, a educação religiosa seria permitida nas igrejas (mas não nas
escolas), e todos os cidadãos, incluindo o clero, poderiam efectuar petições
para reformar as leis. Mas o ponto mais importante dos arreglos era que
a Igreja recuperaria o direito a usufruir das suas propriedades e os padres
recuperavam o direito de viver nessas mesmas propriedades. Legalmente falando,
a Igreja não podia possuir propriedade imobiliária, e as suas antigas
instalações permaneciam propriedade federal. No entanto, a Igreja tomou o
controlo destas instalações e o governo nunca voltou a tentar ficar com elas.
Era um arranjo conveniente para as duas partes e o apoio da hierarquia da Igreja
aos rebeldes cessou. Para muitos católicos a hierarquia tinha aceite o suborno.
Os arreglos conduziram
a guerra a um desfecho pouco comum. Nos últimos dois anos, muitos oficiais
anticlericais que eram hostis ao governo federal por outras razões, haviam-se
juntado aos rebeldes. Quando os arreglos vieram a público, apenas uma
minoria dos rebeldes regressou a suas casas: aqueles que sentiam que a sua
guerra havia sido ganha. Uma vez que as opiniões da Liga e dos rebeldes, que
tanto sangue haviam derramado, não tinham sido ouvidas nas conversações, muitos
deles sentiram-se traídos e alguns continuaram a combater. Os protestos não se
fizeram esperar, e Roma teve de proibir que se falasse mais sobre o pacto
que não protegeu a vida daqueles que se havia revoltado pela perseguição à
liberdade do exercício religioso. Criou-se uma profunda divisão entre o alto
clero, considerado pouco solidário quando não traidor, e aqueles que,
desconfiados, insistiam em levar a guerra por diante. Os bispos acatavam a
Constituição e o governo federal prometia fechar os olhos à fiscalização do
cumprimento da Lei. Para os que não acataram de imediato a ordem de
cessar-fogo, a hierarquia da Igreja ameaçou-os de excomunhão o que levou
muitos, apesar da forte sensação de traição mas obedecendo, a depor as armas e,
gradualmente, a rebelião foi terminando. Os da Liga e os cristeros em
geral, tinham a convicção de que o Pacto era um embuste e que ao entregarem as
armas e abandonar a clandestinidade, a morte era mais que certa. Fizeram-no, no
entanto, porque era a Igreja que assim o mandava e a sua Fidelidade e
Obediência era a toda a prova. Como é evidente este facto pressupôs uma
profunda e dura prova de fé para os cristeros que, na sua maioria, se
mantiveram fiéis à Igreja e próximos dos sacerdotes que durante o conflito os
tinham apoiado. Mas é legítimo que nos interroguemos, como faz a socióloga
Vasquez Paredes, sobre até que ponto a ruptura da solidariedade do alto clero
mexicano com o seu rebanho do centro-oeste não influiu no cada vez maior leque
de opções religiosas não católicas que, posteriormente à guerra, se veio a
desenvolver nessa mesma região.
Por outro lado, os chefes,
temendo ser julgados como traidores, tentaram manter a rebelião. Os seus
esforços falharam e muitos foram capturados e fuzilados, enquanto outros
escaparam para San
Luis Potosí onde o general Saturnino
Cedillo lhes concedeu refúgio. Em Tabasco, pelo contrário
continuaram proibidos os ministros do culto pelo fanático governador
anti-clerical, Garrido Canabal que chegou ao cúmulo de pôr aos filhos os nomes
Lenine e Lucifer.
Em 27 de Junho, os sinos
ouviram-se no México pela primeira vez em quase três anos. A guerra custou a
vida a cerca de 90 000 pessoas: 56 882 no lado federal e cerca de 30 000 no dos
Cristeros. A estes números há que somar os numerosos civis (e Cristeros
desarmados) assassinados em ofensivas anticlericais após o fim da guerra e
que ainda haviam de levar a um segundo levantamento em 1934, conhecido como La
Segunda. Conforme declarado por Portes Gil, a Lei Calles permaneceu
nos livros, mas não foi feita qualquer tentativa organizada por parte do
governo federal com vista à sua aplicação efectiva. Ainda assim, em várias
localidades, a perseguição de padres católicos prosseguiu, baseada na
interpretação da lei feita pelas autoridades locais. E em 1933 apenas havia
para todo o México 197 sacerdotes ou seja menos de um por cada 80.000
habitante. Apenas em 1941 se rendeu o último chefe guerrilheiro cristero,
Federico Vázquez, em Durango.
Em 1993 o governo do
México concedeu à Igreja um precário reconhecimento legal como associação
religiosa e estabeleceu relações diplomáticas com a Santa Sé. As provisões
anticlericais continuam em vigor em 2005, apesar de já não serem aplicadas.
A Cristíada, outra comum designação das
guerras cristeras, deixou uma indelével marca na cultura popular
mexicana. Na sua música, muitas foram as canções que recordaram para sempre a
epopeia. De entre os vários corridos, estilo musical popular, permito-me
seleccionar
El martes me fusilan
El martes me fusilan
a las seis de la mañana
Por creer en Dios eterno
Y en la gran Guadalupana.
Me encontraron una estampa
de Jesús en el sombrero;
Por eso me sentenciaron,
porque yo soy un cristero.
Es por eso ‘ me fusilan
el martes por la mañana;
Matarán mi cuerpo inútil
pero nunca, nunca mi alma.
Yo les digo a mis verdugos
que quiero ‘ me crucifiquen,
Y una vez crucificado
entonces usen sus rifles.
Adiós sierras de Jalisco,
Michoacán y Guanajuato,
Donde combatí al gobierno,
que siempre salio corriendo.
Me agarraron de rodillas
adorando a Jesucristo;
Sabían que no había defensa
en ese santo recinto.
Soy labriego por herencia,
Jalisciense de nacencia ;
No tengo más dios que Cristo
porque me dio la existencia.
Con matarme no se acaba
la creencia en Dios eterno.
Muchos quedan en la lucha
y otros que vienen naciendo.
Es por eso ‘ me fusilan
el martes por la mañana.
[¡Viva Cristo Rey!]
·- ·-· -······-·
José Luis Andrade
Usaram como justificação a sua (falsa) participação
num atentado a Obregón. O verdadeiro autor para poupar a vida de Pro, Luís
Segura Vilchis entregou-se mas acabariam todos fuzilados.
Alguns autores negaram a existência deste documento
oficial mas López Beltrán publica uma foto do mesmo na sua obra
Calles
ao receber uma delegação do episcopado mexicano em 21 de Agosto de 26
havia-lhes dito:
Têm apenas
dois caminhos: sujeitar-se à Lei ou lançar-se na luta armada!
Os dois
padres-comandantes, o padre Vega e o padre Pedroza, eram soldados natos. O
padre Vega tinha reputação de beber excessivamente e de ignorar frequentemente
o seu voto de castidade. Por seu lado, o padre Pedroza era eticamente impoluto
e firme e fiel aos seus votos sacerdotais. Porém, o facto de ambos terem pegado
em armas tornou-se problemático do ponto de vista da teologia sacramental católica.
Ironicamente, para não dizer hipocritamente, foram os defensores da teologia da
libertação, cúmplices frequentes dos movimentos marxistas terroristas quem mais
se encarniçou contra a memória dos cristeros e dos padres que os
apoiaram.
Segundo a
lenda esta alcunha teve origem no facto de, após a sua evasão da prisão, ter
morto todos os catorze homens que tinham sido enviados em sua perseguição. Teria depois enviado uma mensagem ao presidente da Câmara, e seu tio,
dizendo-lhe que no futuro não deveria enviar tão poucos homens atrás dele.
Mário
Valdés, que muitos historiadores crêem ter sido um agente governamental,
conseguiu inflamar os ânimos contra El Catorce, levando à execução deste
após uma condenação por um arremedo de tribunal marcial.
O que lhe valeu o epíteto nos órgãos de comunicação
social dos E.U.A. de diplomata bacon and eggs.
Há quem afirme que, com a chegada de Herbert Hoover à
Casa Branca, depois de ter derrotado o candidato democrata, o católico Al
Smith, influentes personalidades maçónicas, mormente de rito escocês, fizeram
chegar ao cardeal Pacelli, através do alemão Pe. Gruber, o seu desejo de
pacificar os conflitos abertos com a Igreja em várias partes do mundo.
Estes arranjos traduziram-se por duas declarações
separadas, uma por Portes Gil e outra pelo Arcebispo de Morelia, Leopoldo Ruíz
y Flores, em nome de todo o Clero católico (o que era falso) e na qualidade de
Delegado Apostólico Ad Referendum sem no entanto ter cumprido as
orientações do Papa. Como se diria na gíria, deixou-se papar... Tinha
vindo dos E.U.A., num vagão de comboio, incomunicável, acompanhado apenas por
Pascual Díaz y Barreto, S.J., o único bispo que havia mostrado empenho em
conseguir um acordo com os callistas. Morrow impediu que o clero
mexicano ou representantes dos rebeldes ou da Liga tivessem acesso aos dois
negociadores, então instalados em casa do banqueiro Legorreta. Apenas os
sacerdotes americanos Edmund Walsh, S.J., Wilfrid e Parsons e o embaixador do
Chile.a eles tiveram acesso. O resultado ficou à vista.
***
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